A inaplicabilidade do §14 do Artigo 37 da CF/88 e do Tema 606/STF aos Empregados do Banrisul
Este documento analisa a aplicação do §14 do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e do tema 606/STF aos empregados celetistas de sociedades de economia mista, no caso concreto o Banrisul. O documento mostra as implicações jurídicas, os princípios constitucionais envolvidos, a invalidade da generalização e dá fundamentos para a discussão da inaplicabilidade da norma defendendo os empregos e o capital intelectual da empresa, mantendo .
Jacson Gimenes Santos
OAB/RS 124938
Janeiro/2025
Problema: Rompimento do vínculo na Aposentadoria voluntária
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Situação Atual
Empregados do Banrisul tem o vínculo rompido ao se aposentarem voluntariamente
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Base Legal Contestada
Interpretação do §14, Art. 37 da CF/88 e Tema 606/STF
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Consequência
violação a príncipios constitucionais e princípios do direito administrativo
A interpretação atual força o rompimento do vínculo de funcionários do Banrisul no momento de sua aposentadoria, baseando-se em uma leitura controversa do §14 do Artigo 37 da Constituição Federal. Esta prática tem gerado significativa insegurança jurídica e prejuízos aos trabalhadores da instituição e a própria instiuição.
O que diz o §14 do Artigo 37 da CF/88
"A aposentadoria concedida a qualquer título, no âmbito do regime próprio de previdência social ou do regime geral de previdência social, acarreta o rompimento do vínculo que gerou o benefício, salvo se o beneficiário continuar a exercer mandato eletivo ou cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração."
Este dispositivo, introduzido pela Emenda Constitucional nº 103/2019, visa principalmente reduzir gastos públicos, evitando situações de dupla oneração ao erário público. No entanto, sua aplicação generalizada suscita questões sobre sua validade jurídica e os princípios que regem os atos da Administração Pública.
Qual a tese firmada no Tema 606/STF.
"A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, nos termos do que dispõe seu art. 6º."
Natureza jurídica da demissão do empregado Público segunda a tese firmada no Tema 606/STF
Competência Jurisdicional
A natureza constitucional-administrativa do ato de demissão atrai a competência da Justiça comum, não da Justiça do Trabalho
Base Constitucional
Art. 37, § 14, da CRFB estabelece a incompatibilidade entre aposentadoria e permanência no cargo público
Natureza do Vínculo
Relação jurídica possui caráter híbrido: regime celetista com incidência de normas de direito público
Efeito da Aposentadoria
A concessão de aposentadoria aos empregados públicos, em regra, inviabiliza a permanência no emprego, salvo exceções legais (concedidas anteriormente)
No cerne da questão, quais foram as objetivos da EC 103/19 (reforma da previdencia)
Redução do Déficit Previdenciário
A meta de economia projetada de R$ 800 bilhões em 10 anos através da reforma previdenciária focou principalmente na redução de despesas com servidores que acumulavam proventos de aposentadoria com salários ativos. Esta projeção, contudo, não distinguiu adequadamente o impacto sobre empresas estatais autossustentáveis como o Banrisul.
Vedação à Acumulação
O impedimento baseou-se no art. 37, caput da CF/88 (princípio da moralidade administrativa) e na Lei 8.112/90, visando coibir a chamada "dupla aposentadoria" no serviço público tradicional. Porém, esta vedação ignora que empresas de economia mista como o Banrisul:
(1) operam sob regime de direito privado;
(2) geram receitas próprias sem onerar o Tesouro; e (3) competem no mercado com instituições financeiras privadas que não possuem tal restrição.
Uniformização do Regime
A padronização buscou estabelecer regras únicas para todos os entes federativos, seguindo o precedente do STF no RE 786.540/DF. Entretanto, esta uniformização desconsidera as particularidades do regime celetista (CLT art. 173, §1º, II) e a autonomia administrativa das empresas de economia mista.
Estas motivações, embora relevantes para o serviço público direto, revelam-se juridicamente inadequadas quando aplicadas às sociedades de economia mista. A própria Constituição, em seu art. 173, §1º, estabelece que estas empresas devem se submeter ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas, tornando questionável a extensão automática do §14 do art. 37 a seus empregados.
Teoria dos Motivos Determinantes
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Definição e Base Legal
A teoria dos motivos determinantes, consolidada na jurisprudência do STF (RE 365.368/SC) e STJ (MS 15.290/DF), estabelece que os motivos declarados no ato administrativo integram sua validade. Uma vez expressos pela Administração, estes motivos vinculam o ato e condicionam sua legitimidade, mesmo quando a lei não exige motivação explícita.
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Premissas de Validade
Para que um ato administrativo seja válido segundo a teoria dos motivos determinantes, é necessário que:
  • Os motivos declarados sejam verdadeiros e demonstráveis
  • Exista nexo lógico entre os motivos e o conteúdo do ato
  • Os motivos persistam no momento da execução do ato
  • Os fundamentos sejam proporcionais e adequados à finalidade pública almejada
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Aplicação ao §14 e ao Tema 606/STF
A EC 103/19, ao introduzir o §14 do Art. 37 da CF/88, fundamentou-se explicitamente no objetivo de reduzir o déficit previdenciário, projetando economia de R$ 800 bilhões em 10 anos. O Tema 606/STF, por sua vez, reafirmou a vedação à acumulação com base no princípio da moralidade administrativa, visando especificamente evitar o duplo dispêndio de recursos do Tesouro Público.
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Inaplicabilidade aos empregados Banrisul
O Banrisul, como sociedade de economia mista, possui características que descaracterizam completamente os motivos determinantes da norma:
(1) tem receita própria bilionária;
(2) não recebe recursos do Tesouro Estadual, portanto os salários não são pagos com verba pública;
(3) compete no mercado financeiro com instituições privadas; e
(4) segue regime celetista conforme Art. 173, §1º, II da CF/88. Logo, não há qualquer impacto no déficit previdenciário ou oneração do erário que justifique a aplicação da norma.
Inadequação da Justificativa Econômica
Fundamento Econômico
O motivo determinante do §14 do artigo 37 é evitar a dupla oneração ao erário.
Aplicação Válida
A norma só pode ser validamente aplicada quando há efetivo risco de dupla oneração ao erário.
Desvio de Finalidade
A aplicação a sociedades de economia mista autossustentáveis desvirtua a justificativa originária da norma.
O Problema da Generalização
O tema 606/STF generalizou o termo empregado público, desconsiderando a regime jurídico e a fonte de custeio do banco.
"A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB"
Porque deve haver discussão no caso do Banrisul?
Ausência de Dupla Oneração do erário público
No caso específico do Banrisul, com receita própria bilionária e autossustentabilidade financeira comprovada, não há qualquer impacto no erário público com a manutenção dos empregados aposentados. A instituição remunera seus funcionários exclusivamente com recursos próprios, gerados em regime de concorrência no mercado financeiro.
Desvio do Motivo Determinante
A EC 103/19 teve como motivação explícita a redução do déficit previdenciário, projetando economia de R$ 800 bilhões em 10 anos. Aplicar esta norma a empregados de sociedades de economia mista autossustentáveis representa claro desvio de finalidade, pois não contribui para o objetivo declarado de proteção do erário, ferindo o princípio da legalidade administrativa.
Custos Associados ao Rompimento do Vínculo e Nova Contratação
A demissão compulsória gera custos significativos: verbas rescisórias, indenizações trabalhistas, despesas com recrutamento e treinamento de novos funcionários. Além disso, há perda do capital intelectual e experiência acumulada dos empregados aposentados, prejudicando a eficiência operacional e a competitividade da instituição no mercado financeiro.
Princípios Constitucionais Violados
Legalidade
Ignora a distinção entre regimes jurídicos e excede os limites da norma constitucional.
Finalidade
Contraria o objetivo de proteger o erário público.
Eficiência
Compromete a eficiência das atividades empresariais sem benefício aos cofres públicos.
Proporcionalidade
Impõe medidas desproporcionais em situações sem impacto ao erário.
Direito ao Trabalho
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Direito Fundamental
Garantido pela Constituição Federal
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Dignidade da Pessoa Humana
Princípio constitucional violado
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Rompimento Automático
Viola o direito ao trabalho
O rompimento automático do vínculo empregatício de empregados aposentados, sem prejuízo ao erário público, viola o direito fundamental ao trabalho e desconsidera a dignidade da pessoa humana, princípios garantidos pela Constituição Federal.
Interpretação Adequada do Dispositivo
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Análise Caso a Caso
Considerar as especificidades de cada situação.
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Respeito à Justificativa Original
Aplicar a norma apenas quando houver impacto financeiro nos cofres públicos.
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Evitar Medidas Desproporcionais
Não impor restrições desnecessárias às sociedades de economia mista autossustentáveis.
Fundamentos para defesa pelo banco da inaplicabilidade da norma
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Violação de Princípios Constitucionais
A aplicação viola os artigos 1º, III e IV (dignidade e valores sociais do trabalho), art. 5º XIII (liberdade profissional) e art. 7º da CF/88, além de contrariar entendimentos consolidados do STF sobre direitos fundamentais do trabalhador.
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Prejuízo ao Capital Intelectual do banco
A perda imediata de profissionais experientes comprometeria operações críticas do banco, onde a experiência é crucial para tomada de decisões.
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Natureza Jurídica Específica
Como sociedade de economia mista que compete no mercado financeiro, o Banrisul possui regime celetista diferenciado dos servidores públicos estatutários, conforme art. 173, §1º, II da CF/88 e jurisprudência consolidada do TST.
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Não haveria economia
Não haverá economia aos cofres públicos mantido o entendimento
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Despesas associadas
Haverão despesas de rescisão, contratação e treinamento
Estes fundamentos formam uma estrutura sólida de defesa: partindo da base constitucional específica do regime jurídico das sociedades de economia mista, passando pelos impactos operacionais concretos no funcionamento do banco, até alcançar as violações a princípios constitucionais fundamentais. Esta argumentação demonstra que a aplicação do §14 do Art. 37 da CF/88 ao Banrisul seria não apenas prejudicial à instituição, mas juridicamente incompatível com o ordenamento constitucional brasileiro.
Conclusão
A aplicação do §14 do artigo 37 da CF/88 e do Tema 606/STF deve ser limitada às situações que justifiquem sua edição, ou seja, aquelas em que há impacto financeiro nos cofres públicos. A generalização para incluir empregados de sociedades de economia mista autossustentáveis viola princípios constitucionais e a teoria dos motivos determinantes.
É imprescindível uma interpretação que considere as especificidades de cada caso, respeitando a justificativa originária da norma e evitando medidas desproporcionais e desnecessárias.